A arte do perfeito equilíbrio entre o vinho e a comida: assim pode se definir a harmonização enogastronômica, método cujo objetivo é tirar o melhor da combinação dos ingredientes que formam as duas partes, usando sempre a criatividade e a experimentação. Dessa forma, entre taças e garfadas, o resultado do banquete pretende ser inesquecível.
Apesar de a produção de vinhos ser algo milenar, com as primeiras vinhas cultivadas pelo homem a pelo menos 8 mil anos, somente nos últimos séculos o estudo da harmonização ganhou um papel especial para a enofilia e para a gastronomia, pois, mesmo em países com tradição em viticultura, essa técnica só começou a ser levada a sério a partir do século XVII.
Fatores da estrutura do vinho, como a acidez (que produz mais saliva), os taninos (adstringência que causa secura na boca) e a doçura, combinam melhor com pratos de diferentes características. Além do paladar, outros fatores como o aroma e a textura também completam essa combinação enogastronômica.
O erro na combinação pode não direcionar para o resultado desejado, deixando a refeição menos apetitosa. Um vinho com mais corpo – sensação de maior ou menor densidade que a bebida apresenta na boca – acaba com o sabor de um prato mais leve, enquanto um vinho mais delicado servirá apenas para matar a sede de uma comida mais temperada.
As escolas de harmonização são três – todas elas europeias – e tentam definir os parâmetros para uma aplicação ideal do método. A italiana acredita que a comida é o personagem principal de uma refeição e que o vinho é seu acompanhante. Na francesa é ao contrário, pois a bebida comanda enquanto a comida é quem está ao seu serviço. Na escola inglesa, considerada a mais liberal de todas, o gosto pessoal é a prioridade, e a combinação do prato e do vinho é algo individual.
O Merlot e o Malbec, que são vinhos muito macios, acompanham bem carnes vermelhas com molhos levemente agridoces, como geleias.”
Maiquel Vignatti, sommelier da Garibaldi
Tipos de harmonização
Sommelier e gerente de Marketing da Cooperativa Vinícola Garibaldi, Maiquel Vignatti explica que existem, basicamente, três tipos de harmonização: por contraste, por semelhança e regional. Na primeira categoria, as diferenças se complementam. Pratos oleosos ou gordurosos, por exemplo, combinam com vinhos mais ácidos, e comidas picantes/com especiarias tendem a ser compartilhadas com vinhos de maior intensidade de álcool. “Outro exemplo são os pratos com elevada quantidade de sal, como o bacalhau, que combinam com vinho branco ou até mesmo com um frisante”, orienta o sommelier.
No caso da harmonização por semelhança, a indicação já é diferente. Nela, o direcionamento é para a degustação de pratos e vinhos com a mesma estrutura. Ele aponta o caso de comidas condimentadas e consistentes, que combinam com uma bebida igualmente potente, com bastante corpo e estrutura, como vinhos tintos mais tânicos.
“Nessa proposta de harmonização por semelhança, é importante se atentar para algumas situações: vinhos doces harmonizam melhor com sobremesa quando forem mais adocicados que o prato, ao contrário dos vinhos secos, especialmente os tintos, que não combinam com sobremesas”, ressalta.
Por fim, há a harmonização regional, que são aquelas que, pela literatura e teoria, não funcionam, mas, na prática, fazem sentido. Ele aponta como um caso o costume dos moradores da Serra Gaúcha, que bebem vinho tinto com churrasco, e os portugueses, que bebem os vinhos verdes do Alentejo com pratos que levam bacalhau.
“Na França, as pessoas gostam muito de comer bolo com champagne. A literatura não contempla essa harmonização, mas é uma das melhores combinações do mundo”, observa Maiquel Vignatti.
As melhores harmonizações
O sommelier da Garibaldi explica que os vinhos tintos combinam com carnes vermelhas, cada tipo a sua maneira. Os que têm taninos mais marcantes, geralmente mais jovens, harmonizam com proteínas em geral, principalmente carnes de gado e exóticas (de caça). Os tintos, que passam por barricas de madeira, combinam mais com carnes grelhadas e defumadas na brasa de churrasqueiras.
“O Merlot e o Malbec, que são vinhos muito macios, acompanham bem carnes vermelhas com molhos levemente agridoces, como geleias. O Pinot Noir, que é um dos tintos mais leves, pode acompanhar atum e salmão grelhado, assim como alguns pratos mais sofisticados, como uma massa condimentada ou um risoto de gorgonzola com pera e mel”, afirma Vignatti.
Sobre os vinhos brancos, ele cita o Chardonnay, envelhecido em barricas de madeira, que é considerado um vinho com mais estrutura, combinando com pratos de boa textura e aromas mais ricos, como o “coq au vin” (frango ao vinho) e algumas carnes vermelhas com poucos condimentos. Já o Chardonnay sem envelhecimento em carvalho e menor acidez vai bem com frutos do mar, como camarão e mexilhão.
“Pode ser harmonizado também com molhos amanteigados, molhos com creme de leite ou com bastante queijo derretido e massas com molho branco. Outra uva branca é a Sauvignon Blanc, que pela característica herbácea e aroma mais verde serve bem com alguns molhos, como o “al pesto”, ou risoto com ervas”, completa.