A maestria na sanfona, a sensibilidade musical e a paixão pela música, especialmente pelo forró, são apenas algumas das particularidades que tornam Mestrinho um artista tão completo e singular.
Um dos grandes sanfoneiros do Brasil, o cantor e compositor iniciou sua trajetória musical ainda na infância e, com muito aprendizado e experiências em meio a grandes artistas, conquistou seu espaço na música brasileira.
Sergipano da cidade de Itabaiana, Mestrinho nasceu vivenciando a música (e a sanfona!): seu avô, Manezinho do Carira, era tocador de oito baixos; seu pai, Erivaldo de Carira, sanfoneiro. Seus irmãos, Thaís Nogueira e Erivaldinho, também se tornaram artistas.
Além das influências dentro de casa, em seus anos de estrada, o artista compartilhou o palco com nomes como Dominguinhos, Gilberto Gil e Elba Ramalho. Seus encontros com esses importantes artistas da música brasileira, principalmente com Dominguinhos, quem “apadrinhou” o jovem sanfoneiro e foi um grande parceiro de estrada, foram essenciais para a sua trajetória musical e o levaram, também, à sua fascinante carreira solo.
Sua discografia começou a tomar forma em 2014, quando o artista lançou o primeiro disco, “Opinião”. Atualmente, o sanfoneiro conta com diferentes singles, álbuns (como “É Tempo para Viver” e “Grito de Amor”) e projetos, que incluem rodar o país todo com a sua sanfona. Não deixe de acompanhar a agenda do cantor pelo Instagram: @mestrinhomestrinho
Em entrevista exclusiva à Voepass, Mestrinho fala sobre sua relação com o instrumento, sua discografia, suas experiências com Dominguinhos e Gilberto Gil, a importância do forró e mais. Confira:
Como você aprendeu a tocar sanfona?
Mestrinho: O meu primeiro contato com a sanfona acredito que foi quando nasci – meu pai toca sanfona -, mas eu não lembro. O que lembro [de fato] é que, com cinco anos de idade, ganhei minha primeira sanfona do meu pai e da minha mãe. De ficar fuçando, com cinco anos, aprendi sozinho a tocar “Asa Branca”, só de ouvir, e a partir daí não larguei mais o instrumento. Minha mãe me colocou no conservatório de música, eu tinha uns dez anos ou 11 anos, mas fiquei lá por uns três meses, porque eu não estava indo. No Nordeste, tem um termo que é “gazear a aula”, e eu “gazeava” a aula, então minha mãe me tirou da escola de música e eu continuei sozinho. Na verdade, sou músico autodidata.
Existe alguma música que marcou a sua vida de certa maneira e que se tornou uma das suas favoritas?
Mestrinho: Sim! É a música que retrata o nordestino e que eu canto até hoje nos shows: “Lamento Sertanejo”.
Como é seu processo de composição? As músicas nascem primeiro na sanfona?
Mestrinho: Meu processo de composição não segue uma regra. Às vezes, estou no avião e começo a escrever uma letra pelo bloco de notas do celular, e aí chego em casa e coloco uma melodia em cima dela. Ou, às vezes, começo a escrever a letra junto com a melodia. Ou, às vezes, pego meu instrumento e deixo o celular gravando, porque já sei que vai sair alguma música – saio tocando de primeira e já cantando uma letra. E, às vezes, componho uma melodia e, depois de ficar ouvindo essa melodia, coloco uma letra em cima. São vários processos de composição.
Tem quase dez anos desde que você lançou “Opinião”. Como foi a criação desse primeiro disco?
Mestrinho: Esse meu primeiro trabalho foi a realização de um sonho. Sempre tive a ambição de conhecer a música profundamente e de fazer coisas elaboradas, com mais harmonias e com ritmos mais complexos. “Opinião” sou eu colocando isso em prática, que era algo com que eu sonhava há muito tempo. E eu fui influenciado com certeza pelo Dominguinhos, pelo Gilberto Gil, pelo Hermeto Pascoal, pelo Milton Nascimento e por essas figuras que eu ouvia diariamente na época em que eu estava fazendo esse disco. Ouço até hoje, mas na época desse disco, eu ouvia com mais frequência.
E fui eu fazendo algo que estava dentro de mim. Sempre me espelhei no Gilberto Gil, no Dominguinhos e em artistas que tocam música com mais harmonias e com mais complexidades – acho que isso emociona em um lugar diferente. E isso me fez fazer esse disco “Opinião”. É um disco que usei pedaleira na sanfona, o que é raro de se ver, porque a pedaleira geralmente se usa na guitarra. Acho que é o disco que imprimi mais forte a minha personalidade, [era eu] sem ser influenciado pelo mundo inteiro, vindo até de uma inocência musical. É o disco com meu eu mais purinho. E esse disco me fez concorrer ao Prêmio da Música Brasileira. Hoje, estou influenciado por mil coisas. Tenho a minha personalidade, mas parti para vários caminhos.
O seu segundo disco, “É Tempo para Viver”, volta bastante ao forró. E, no terceiro, “Grito de Amor”, você experimentou mais pop, R&B e jazz. O que você não abre mão na hora de compor seus discos e o que você busca inovar a cada trabalho?
Mestrinho: O que eu não abro mão é a maneira de tocar o acordeon. Ele sempre está ali, seja em qualquer estilo. Em “Grito de Amor”, que traz uma mistura pop, a sanfona está lá do meu jeitinho, para mostrar que eu estou ali. E o que eu também não abro mão na minha carreira, independentemente dos discos que eu lanço, é do forró. Nos outros estilos, sou turista e, no forró, sou nativo.
Acho que consigo transitar bem nos outros estilos, porque eu não tenho aquela voz bem característica de forrozeiro, tipo o Luiz Gonzaga, que tem aquele vozeirão “grossão”. Tenho uma voz [semelhante a do] Gilberto Gil, que consegue transitar no forró, no reggae e em vários estilos de música. E acho que consigo fazer um pouco disso também. No meu disco, “Grito de Amor”, falo um pouquinho disso, que eu não componho só forró diariamente. Componho samba, e quero gravar um disco de samba, música pop e jazz. Vou transitar para tudo quanto é lado, não quero ser um artista rotulado, não quero ser o forrozeiro Mestrinho e nem o sambista Mestrinho: eu quero ser o Mestrinho!
Como aconteceu o seu “apadrinhamento” pelo Dominguinhos? O que essa experiência mudou na sua carreira?
Mestrinho: Cheguei à São Paulo, conheci o Dominguinhos, ele foi muito gentil comigo e me deu o telefone dele. E eu seguia ele nos shows para assistir. Vários momentos eu ligava e pedia para levar minha sanfona. E um certo dia, ele me convidou para tocar com ele. Ele disse que gostava de como eu tocava o instrumento. Passei muito tempo trabalhando com ele. Eu era menino novo, sem conhecer muita gente, e ele me acolheu em São Paulo e eu consegui tocar com ele. Isso foi muito gratificante. Ele era muito generoso. Assim como me convidou para tocar com ele, já tinha chamado vários sanfoneiros para tocar. Ele não chegou a falar “Mestrinho é meu sucessor” ou “estou apadrinhando o Mestrinho”. As coisas foram acontecendo naturalmente. Fiquei do lado dele e, depois que ele faleceu, eu resolvi fazer uma carreira solo, que até então eu não tinha. Sou um dos seguidores dele, porque acho que tem muitos por aí.
Tem alguma história marcante que você viveu com Dominguinhos?
Mestrinho: Tem várias, vou compartilhar uma delas! Fui a Minas Gerais em um festival para tocar com ele. Ele apresentou a banda todinha e não me apresentou, não falou o meu nome. E alguém da plateia gritou: “Ah, faltou sanfoneiro”. E eu vi que ele ouviu, e ele não me apresentou. Fiquei meio triste lá atrás, pensando comigo se eu tinha feito alguma coisa de errado com ele.
Quando chegou em um determinado momento da música, ele pediu para a banda tocar baixinho, me convidou lá para a frente e falou: “Não convidei o sanfoneiro de propósito, porque eu queria convidar ele agora para cantar uma música. Mestrinho canta uma música minha muito bonita [“Te faço um cafuné”] e eu queria que ele cantasse aqui”. Nessa hora, ele disse: “o Gonzaga falou para mim que eu tinha que cantar, porque só tocando a sanfona, eu não ia alcançar o que eu queria alcançar e ser reconhecido. Tenho que tocar e cantar, então Mestrinho faça isso também – toque e cante”.
Fui para a frente do palco todo emocionado e aí cantei a música. Ele me apresentou para aquele público dessa forma, pedindo para eu cantar. Fiquei muito feliz e foi marcante, me ajudou muito a decidir a fazer uma carreira como cantor e como artista. Isso me motivou demais na hora de tomar a decisão de fazer uma carreira.
Por que “Te faço um cafuné”?
Mestrinho: É uma música muito forte que eu ouvi na discografia dele. Ele gravou em canção e meio que passou batido naquela época. E aí eu resolvi fazer um novo arranjo e colocar em xote. Saí cantando esse arranjo por aí e o Dominguinhos me viu cantando. Neste dia, em Minas Gerais, ele me convidou para cantar essa música. Depois que eu cantei ali, eu não tive mais dúvidas. Essa música realmente tem algo muito forte e eu decidi gravar ela, porque me tocava muito. E as pessoas também curtiram!
Você também tem projetos e já tocou diversas vezes com o Gilberto Gil. Como você começou a colaborar com ele? Tem algum aprendizado que você carrega dessas colaborações entre vocês?
Mestrinho: Conheci o Gil indo substituir um amigo que tocava com ele, o Toninho Ferragutti. Ele me colocou para fazer um show com o Gil. Acho que eu tinha 20 anos na época. Quando encontrei e toquei com o Gil, foi amor à primeira vista. Depois que toquei com ele esse dia, ele começou a me chamar vários dias. Fui fazer turnê com ele na Europa e vivi muita coisa ao seu lado. Foi uma experiência absurda e grandiosa. Acho que isso me ajudou muito também na hora de montar uma carreira solo, [graças à] experiência que eu adquiri com ele.
Eu via o jeito dele de se portar no palco, como ele era, como ele conversava com o público, como ele agia diante dos fãs e diante das situações de perrengue, diante das situações emocionais e não tão agradáveis. E isso me motivou e me trouxe uma experiência muito grande. Com certeza ele também influenciou muito na minha tomada de decisão de fazer uma carreira solo. É maravilhoso estar ao lado dele, conversar com ele, entender como ele pensa sobre várias coisas e também ver o lado vulnerável dele, ver uma parte que acho que muita gente não vê.
Como você entende a importância de continuar fortalecendo o legado do forró?
Mestrinho: Acho que o forró tem altos e baixos. No momento, ele não está tão em alta como deveria estar. Ele é um gênero que não vai morrer, ele já está enraizado. Só que eu acho que precisa de renovação. E eu de alguma forma venho tentando ser uma das pessoas que vai ajudar a renovar esse gênero. Venho trazendo coisas novas e canções de minha autoria, como “Eu e Você”, que tem o forró junto com algo meio pop. […] Isso vai renovando e vai trazendo novos públicos. Acho que isso é muito importante.
Claro que artistas como Dominguinhos e Luiz Gonzaga têm meu coração. Dominguinhos principalmente, porque ele é meu ídolo. Ele foi uma pessoa com quem eu convivi e que vou homenagear até os meus últimos dias. Se eu puder pegar canções que ele já gravou e que ninguém conhece e regravar para mostrar, como fiz com “Te faço um cafuné”, vou fazer com certeza. Homenagens a esses ícones do forró sempre vão estar nos meus shows, mas não deixando de dar voz a minha personalidade, criar algo meu e criar algo novo que inove cada vez mais. O forró é um dos gêneros mais maravilhosos que a música brasileira tem. Ele está crescendo muito na Europa e em outros países. E é importante esse gênero, que nos emociona tanto e que dá tanta coisa boa para a gente, ter o lugar dele e estar sempre em evidência.
Quais são os projetos para os próximos meses?
Mestrinho: Tenho alguns singles que vou lançar. Tem um disco com a Mariana Aydar, que acredito que ano que vem vamos lançar. E tem meu álbum novo que quero fazer, também de forró. Composição é o que não falta! E eu tenho que fazer alguma coisa com elas. Também tem meu projeto de jazz, que vou fazer alguns materiais, alguns vídeos que vou lançar para poder levar a música instrumental para o povo e para outros países.