“Churrasco e bom chimarrão” é um trecho da música “É disso que o velho gosta” do grupo Os Serranos. Essa parte da canção remete à comida e à bebida mais lembradas quando se fala em Rio Grande do Sul. Entretanto, definir todo um estado, um povo e uma cultura a apenas dois pratos é se limitar a descobrir a riqueza que um povo forte e destemido tem a mostrar. A comida gaúcha é um universo a ser descoberto.
“Somos um povo com muitas camadas. Todas elas têm o tom da diversidade cultural que moldou a população brasileira”, diz Gustavo Nichterwitz (@Gustavonich), gaúcho de nascimento e chef de cozinha na capital Porto Alegre.
Da diversidade dos pratos da serra à riqueza dos sabores dos pampas e do litoral, o Rio Grande do Sul contribui para a culinária brasileira com sabores marcantes, únicos e característicos desse pedacinho do Brasil.
Tipicamente gaúcha
Como qualquer país com dimensões continentais como o Brasil, resumir uma culinária regional em poucos pratos é difícil, diz Gustavo. Quando se fala de pratos salgados, ele ressalta: “tem a comida pampeana, típica das regiões de extensos campos e pecuária.
Tem a culinária serrana, altamente influenciada, principalmente, por duas grandes ondas migratórias. Primeiro a alemã, no início do século 19, e depois a dos italianos do Veneto, no final do século 19. E por fim, tem as regiões ribeirinhas e caiçaras com a cultura da subsistência através da água”.
Mas não pense que o gaúcho vive apenas de churrasco (seria um sonho). Outros pratos fazem parte do cotidiano de quem mora no estado. Os sabores podem mudar de acordo com a região do Rio Grande do Sul em que você estiver.
“Muda de acordo com a região onde se estabelece, com o tempo que se passa e com os encontros culturais que vão acontecendo no transcorrer do caminho”, explica Gustavo. O chef conta ainda que o gaúcho tem predileção por carne bovina. “Bifes, sejam eles empanados, grelhados, na brasa com acompanhamentos variados, comida deve ter sustância. É algo bem simbólico, mas também deve ter cor e interação.”
O famoso churrasco
Para um bom churrasco gaúcho, alguns elementos devem ser considerados. Fogo, gente e celebração, explica o chef. “O fogo nos move, nos torna um povo que acredita no ritual do encontro. Raramente, se acende um braseiro para comer em pouca gente. É quase um pecado”, diz Gustavo.
A estrela, claro, é a carne vermelha. “Uma boa costela feita lentamente, ou um vazio (corte de fibras longas, parecida com o fraldinha) feito muito rapidamente, servida ainda vermelha são de dar água na boca. Quando feita a costela, o fogo é acendido pela manhã, brando. A carne temperada com sal grosso. As carnes de preparo rápido podem ser finalizadas na hora de cortar para divisão do pessoal. Mas uma coisa é fato! É raro que se ponha algo além de sal. O tempero é a fumaça”, explica com orgulho o chef gaúcho.
Ele completa dizendo que como entrada, tem-se coração de galinha, o famoso pão de alho, e ainda acompanhamentos que não saem da brasa, mas que em uma situação de encontro são feitos nas casas dos convidados como: salada de maionese, polenta frita, arroz branco e farofa. Se juntar tudo isso, chegamos ao status máximo do churrasco.”
Salgados e doces
Um churrasco suculento, com a carne ao ponto, na temperatura certa é de dar água na boca. O chef diz que geralmente se usa carne gorda com destaque para costela e paleta de cordeiro.
Outro prato famoso é o arroz de carreteiro de charque ou de churrasco que pode ser feito com a carne defumada do dia anterior ou com a carne curada, já não tão usada como no passado, misturados ao arroz. Tem a traíra frita que nada mais é que o peixe passado na farinha e frito. Simples e espetacular, garante Gustavo. Por fim, entre os pratos salgados, está o galeto. “Muito querido na região serrana, é basicamente um frango defumado que é lindamente arrematado com muita polenta.”
Falando dos doces que fazem sucesso no Rio Grande do Sul, está a ambrosia, que é uma espécie de coalhada com ovos, presente em todas as mesas. O quindim, que é um doce de gema e está entre os preferidos do chef, reina nas mesas do Rio Grande. O sagu, feito da tapioca e com vinho, cozido até ficar gomoso, geralmente acompanha um creme aromatizado com o que tiver em casa. Para finalizar, a cuca, que é uma espécie de bolo, pode ser feita com ou sem frutas na mistura. Alguns chamam de “cuca alemã”, tamanha identificação com a imigração desse povo.
Ingredientes que não podem faltar
O chef Gustavo explica que existem alguns ingredientes que ganham destaque na mesa gaúcha e não podem faltar. Quando se fala em comidas salgadas, ele conta que as carnes têm grande foco e isso se deve a muitos motivos históricos. “O cordeiro, um símbolo da adaptação da roça gaúcha. A costela defumada, que mistura a origem guarani com o pampeano tradicional. O charque, que fez morada por aqui a partir do século 18 e a moranga, que nos remete a todas as misturas acima.”
Em relação aos doces, ele diz que os feitos com ovos são os mais apreciados. Sendo assim, o ovo é um dos ingredientes principais para doces em terras gaúchas.
Chimarrão: mais que uma bebida
“O chimarrão, além de democrático, nos mostra como o gaúcho é um povo diverso. Esse hábito indígena, aderido pelo sujeito do pampa, hoje é algo muito global. É um hábito compartilhado nas regiões do Cone Sul. Mas cada um com sua singularidade para esse consumo”, explica Gustavo.
Erva-mate não é tudo igual! O chef conta que na região fronteiriça com Argentina e Uruguai, geralmente, se consomem ervas-mates maturadas, mais grossas e com maior amargor (tem-se as puras folhas uruguaias, e as com maior proporção de talos argentinos). Cada uma com suas nuances de sabor. A erva-mate tradicional gaúcha, chamada também de nativa, tem variação entre 70 a 90% de folha. Quase sempre moída fina, com o verde mais vivo, por não passar por processo de maturação e serem mais frescas. Dentro disso, temos algumas variações no processo de secagem. O meu preferido é o barbaquá, método guarani ainda usado em algumas ervas, onde o “sapeco” (queima rápida) e secagem são feitos com brasa viva e em tempo mais lento, conta Gustavo.
São muitos rituais que envolvem o ato de beber. A maneira de dispor a erva até a disposição na roda para compartilhar. Só visitando o Rio Grande do Sul para entender como é esta tradição, ou melhor, este ato democrático. “Acho que pra ver o todo, é legal vir aqui e tirar as próprias conclusões”, diz o chef.
Com tanta riqueza gastronômica, chegamos ao fim desta jornada pelo Rio Grande do Sul com um trecho da música “Eu sou do Sul”, também do grupo Os Serranos: “Você, que não conhece meu estado, está convidado a ser feliz neste lugar. A serra te dá o vinho, o litoral te dá carinho e o Guaíba te dá um pôr do sol lá na capital”.
Onde comer
Restaurante Solos
Restaurante Solos Costeiro
Guri Restaurante
Churrascaria Chama de Fogo
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