Imagine passar 24 horas sem nenhum objeto cortante no seu dia a dia. Parece uma tarefa fácil? Pois saiba que, direta ou indiretamente, precisamos de objetos que cortem para facilitar nossas atividades.
Desde a Idade da Pedra, a civilização já utilizava a pedra lascada para fabricar alguns instrumentos cortantes que facilitassem a alimentação e outras atividades, como produzir a própria roupa. Mais tarde, com a descoberta do metal, a humanidade começou a utilizar o novo material na fabricação das ferramentas. Cerca de 7.000 a.C, com a descoberta do fogo, o ser humano foi aprendendo a forjar o metal – primeiro o cobre; em seguida, o bronze e, depois, os outros metais -, e, aos poucos, nascia a faca.
Ao longo dos anos, as ferramentas foram aperfeiçoadas e surgiram facas, facões, machados, espadas, entre outras. A arte da cutelaria virou profissão. Ela foi e é essencial para o desenvolvimento da humanidade. Afinal ela se configurou como o primeiro talher da humanidade, já que servia tanto para cortar quanto para levar o alimento à boca. Os garfos só surgiram por volta do século X.
Segundo o brasileiro e cuteleiro Ricardo Vilar, 51 anos, ex-presidente da Sociedade Brasileira dos Cuteleiros, jurado do programa Desafio Sob Fogo (History Channel) e residente nos Estados Unidos, “a faca é o objeto mais importante do ser humano. O primeiro contato com ela acontece no momento do parto, quando o cordão umbilical é cortado por um objeto cortante. Mas se você pensar, o uso de facas ou objetos cortantes são importantes, pois, sem eles, roupas não seriam feitas, cabelos não poderiam ser cortados e cirurgias não seriam realizadas. Muita gente associa a faca à violência, contudo, ela é na realidade um instrumento de vida”.
Paixão em família
O cuteleiro Álvaro Paiva mora na cidade de Ribeirão Preto (SP) e trabalha produzindo facas. Formado em medicina veterinária, trabalhou por 14 anos com odontologia equina até que, em 2019, deixou de lado os cavalos e se dedicou à cutelaria.
“No meu caso, a paixão pela cutelaria é ‘hereditária’. Meu pai e meu avô materno sempre gostaram muito de facas. Aos finais de semana, os dois se reuniam na oficina do meu avô, em Itápolis (SP), para produzir canivetes e algumas facas artesanais. As peças fabricadas serviam para presentear amigos e familiares. Eu, ainda criança, acompanhava esse trabalho, que me fascinava, e a expectativa de ganhar algum daqueles canivetes era grande”, conta Álvaro.
Ele completa dizendo ainda que, em 2014, o pai ficou doente e não podia mais entrar na oficina. “A oficina, já em Ribeirão Preto (SP), ficou sem vida. Depois de algum tempo, resolvi abrir a porta novamente e durante muita arrumação encontrei a velha forja a carvão do meu avô. A nostalgia de rever a antiga ferramenta me trouxe o desejo de aprender o ofício.
Conheci um amigo que me orientou nos primeiros passos e comecei a produzir algumas facas. Em 2017, alcei voos maiores e fiz um curso de cutelaria intermediário com um dos maiores nomes da cutelaria mundial. A partir daí, minhas facas assumiram outro patamar de qualidade.”
Encanto pela arte
Com 30 anos de cutelaria completados em 2023, Ricardo Vilar diz: “já vi milhares de peças na minha vida, e elas não são iguais. Todas elas cumprem um requisito que está inserido nelas: uma lâmina e um cabo.” E se você parar e pensar, facas, facões, canivetes e similares partem desse princípio: faca e cabo.
Assim como Álvaro, Ricardo conta que se encantou pela cutelaria ainda muito cedo. “Sempre estive ligado a condições de pesca, outdoor e camping, e a faca sempre me chamou muita atenção. Acho até que ela está na memória genética humana.”
Ele fala que se tornou escoteiro, ainda jovem, pelo simples fato de na época poder carregar uma faca. Mais do que apenas carregar o instrumento, Ricardo conta que queria produzir. “Não tinha posses para comprar as facas que eu queria e, na tentativa e no erro, fui a fundo como autodidata e me tornei cuteleiro profissional. Tudo começou com uma oficina de fundo de quintal autodidata.”
Ricardo afirma que existem inúmeras técnicas para se desenvolver uma faca com qualidade. “Falando do Desafio Sob Fogo, versão América Latina, no qual sou jurado há três temporadas, a gente espera muita habilidade e imaginação do competidor (esta última muito mais importante). Tudo que é pedido no programa é factível. A faca ou o objeto que ele produziu é uma extensão de quem ele é”, diz.
Reconhecimento internacional
Em 2005, Ricardo submeteu-se a uma prova da importante associação norte-americana, a Americam Bladesmith Society, onde foi aprovado, com êxito, e tornou-se o primeiro Journeyman Smith da América do Sul. Dessa forma, ele se colocou entre o seleto grupo de aproximadamente 380 cuteleiros no mundo todo, o que lhe dá permissão para timbrar as iniciais “JS” abaixo de sua assinatura em suas criações.
Atualmente, Ricardo Vilar é o fabricante da faca oficial do Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio de Janeiro (BOPE RJ). É instrutor de cutelaria na Universidade do Arkansas, na James Black School of Bladesmithing, e idealizador e coprodutor do Festival James Black, na cidade Washington Arkansas.
Uma forma de expressão
O cuteleiro de Ribeirão Preto explica que passa várias horas na oficina produzindo facas de encomendas e para exposições de cutelaria artesanal. Já são 10 prêmios nesses eventos. “Conquistar prêmios é apenas a consagração de estudo, aperfeiçoamento e muita dedicação para confeccionar facas cada vez melhores para os clientes. Meu foco não está na competição e sim na satisfação do meu cliente.”
Apaixonado pelo que faz, Álvaro conta que a cutelaria representa para ele uma forma de expressão. “É o meu trabalho, meu lazer. É onde faço várias amizades. Diariamente, aprendo algo novo e técnicas de execução e aprimoro minhas habilidades.”
Para quem quer começar no ramo da cutelaria, Álvaro diz que esse desejo deve ser movido pela paixão e não pelo retorno financeiro. “O retorno financeiro deve ser consequência de um trabalho feito com paixão e capricho. O começo da carreira deve ser encarado como hobby e muito estudo.”
4 Cuidados com sua Faca
1) Jamais utilize a faca como alavanca, chave de fenda, abridor de latas ou martelo. Além do risco de acidente ser alto, ela pode quebrar ou perder o fio;
2) Lave sua faca à mão, com água e sabão neutro, secando logo em seguida. A maioria dos fabricantes não recomenda utilizar lava-louças;
3) Não guarde facas em gavetas. Prefira uma barra magnética ou um cepo (bloco de madeira para colocar as facas);
4) Utilize sua faca sobre uma tábua de madeira como apoio. Evite tábuas ou superfícies de vidro, inox, cerâmica ou granito.
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