Com participação fundamental e ativa na cultura e no jornalismo brasileiro, o escritor, cartunista e jornalista Ziraldo Alves Pinto encantou durante décadas gerações de fãs com obras e personagens já considerados clássicos.
Detentor de uma biografia extensa e com trabalhos de criatividade incontestável, o “pai do Menino Maluquinho” morreu aos 91 anos, enquanto dormia em seu apartamento no bairro da Lagoa, no Rio de Janeiro, na tarde de 6 de abril, um sábado de outono, após ter uma piora acentuada no estado de saúde nos últimos anos.
Menino “Bala Perdida”
Nascido em 24 de outubro de 1932, na mineira Caratinga, cidade do Vale do Rio Doce, a pouco mais de 300 quilômetros de Belo Horizonte, Ziraldo é o mais velho dos sete filhos de Dona Zizinha e Seu Geraldo.
Aliás, o incomum nome de Ziraldo foi tirado da inventiva junção do nome dos pais. A paixão por desenhar veio à tona ainda criança, quando o espevitado menino de apelido “Bala Perdida” teve seu primeiro desenho publicado aos seis anos de idade no jornal Folha de Minas, onde viria a trabalhar como cartunista tempos depois.
Ziraldo, um dos criadores d’O Pasquim
Advogado de formação, mas sem nunca ter exercido a profissão, Ziraldo colocou seu humor e talento para atuar em muitos outros campos relacionados às artes e à comunicação. Ziraldo também foi um dos criadores do combativo jornal O Pasquim, um marco do jornalismo independente no Brasil e voz em defesa da democracia no período mais severo da ditadura militar.
Pai do Menino Maluquinho
Dono de uma cabeleira grisalha marcante, a figura de Ziraldo lembrava a de um avô que conta histórias divertidas, principalmente para aqueles que, ainda crianças, começaram a acompanhar seus personagens, primeiro em livros que se tornaram best-sellers, e depois em adaptações para a TV e cinema.
“A Turma do Pererê”, publicada originalmente em 1959, na revista O Cruzeiro, e “O Menino Maluquinho”, editado pela primeira vez como livro em 1980 e em HQ a partir de 1989, entraram para o imaginário popular e ditaram as regras do mercado editorial voltado para os pequenos durante décadas.
A jornalista Giovana Franzolin, criadora do canal Grandes Livrinhos, no YouTube, conta que sua “paixão intensa” por literatura, ilustração e Ziraldo vem da época de pequena, incentivada pelo pai, um ávido consumidor de literatura.
“O primeiro livro que me lembro de gostar do Ziraldo é ‘O Joelho Juvenal’. Ele é parte de uma coleção chamada Coleção Corpim. Tenho aqui ainda uma edição de 1983, que aos cinco anos o meu pai lia muito para mim”, recorda Giovana, que já apresentou as genialidades de Ziraldo para a sua pequena Clarice, de sete anos.
Encontro com Ziraldo
Giovana recorda também seu único encontro pessoal com o mestre, em 2006, quando cobriu como repórter uma palestra de Ziraldo. “Fui com a intenção de entrevistá-lo para o jornal.
E aproveitei, claro, para fazer uma foto, registrar a minha admiração, e levei um ou outro livro para autografar, que é um dos tesourinhos que tenho aqui. É o Menino Maluquinho, inclusive, que está assinado: ‘para Giovanna, com carinho’. Essa foi a única ocasião que o encontrei”, conta.
A jornalista não esconde a admiração e o carinho pelo artista em suas falas. “Ziraldo representa muito para mim. Ele sempre falou direto para o meu coração, a minha criança. Sinto um afeto diferente por ele, pela obra dele. Acho que ele era um cara que também carregava um carisma nato, uma pessoa divertida, adoraria ter batido altos papos com o Ziraldo”, idealiza.
“Ele era o menino maluquinho”
Não há dúvidas que Ziraldo é um gênio no uso das palavras e das ilustrações na comunicação com as crianças. Giovana diz que um bom resumo do brilhantismo do artista mineiro está em seu personagem mais ilustre.
“O Menino Maluquinho realmente é universal, porque como o próprio livro coloca ao final, ele trata de um menino feliz, arteiro, amado, que representa boa parte das crianças. Ele dizia que falava dele, que era um menino maluquinho e se inspirou na própria infância, e assim soube retratar a infância como ninguém.”
“Ele entendia a infância como importante e a melhor fase da vida. Por ter sido uma criança muito feliz, ele fala sobre a infância e para as crianças com muita horizontalidade. Não parece ser um adulto falando para a criança. Às vezes, na literatura infantil, a gente enxerga essa distância, esse gap, quando parece que não se olha nos olhos. E o Ziraldo faz isso. Ele escreve olhando nos olhos das crianças, como se fosse tal qual outra criança”, analisa Giovana.
Ziraldo para além dos livros infantis
“Antes de ser um escritor de literatura infantojuvenil, ele já era um artista muito completo, artista gráfico, desenhista, ilustrador, cartunista e chargista muito importante para o mercado editorial brasileiro. Como raros talentos, ele tinha a versatilidade de percorrer por diversas manifestações artísticas, sempre carregando um humor, muito inteligente, irônico, com sarcasmo, que são características que admiro muito”, explica a jornalista.
Giovana recorda também do trabalho de ilustração que Ziraldo fez para algumas obras de Carlos Drummond de Andrade, em especial nas crônicas políticas que o poeta publicava no Jornal do Brasil, e no livro “História de Dois Amores”, onde a parceria é tão forte que estão na capa os nomes dos dois artistas.
“Os dois mineiros eram muito próximos, e ele transformou em charges alguns pequenos textos de Drummond com cunho político. Então, quanto mais eu conheço, mais eu me encanto com essa pluralidade, do quanto que ele era genial e fora de série dentro da cultura brasileira”, elogia.
4 obras imperdíveis de Ziraldo
- O Menino Maluquinho: um clássico da literatura infantil brasileira, o livro conta a história do garoto traquina e alegre, que inventa brincadeiras e usa uma panela na cabeça;
- A Turma do Pererê: revista em quadrinhos com histórias inspiradas em personagens do folclore brasileiro, foi proibida de veicular em 1964 por ser considerada “subversiva”;
- Flicts: primeiro livro infantil publicado por Ziraldo, fala sobre uma cor que não se encaixa no arco-íris. “Cada vez que leio crio reflexões novas”, diz Giovana;
- Meninas: com uma menina curiosa como personagem, que decide explorar outro mundo, é inspirado em “Alice no País das Maravilhas”.