A população do estado do Amazonas se prepara para “o maior festival de todos os tempos” com a aproximação da 55ª edição do Festival Folclórico de Parintins. Confirmado para os dias 24, 25 e 26 de junho de 2022, o evento festivo mais prestigiado da região Norte e reconhecido como Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) será realizado após um hiato nos últimos dois anos em razão da pandemia de Covid-19.
De acordo com o governo do Amazonas, a festas deve injetar entre R$ 80 e R$ 100 milhões na economia de Parintins – cidade a 369 quilômetros da capital Manaus e segunda mais populosa do estado, com 115 mil habitantes –, assegurando a geração de emprego e renda para os cidadãos da Ilha Tupinambarana. Com a presença de turistas de todo o Brasil e do mundo, é estimado pelos comerciantes e prestadores de serviço que haja um aumento de 85% a 90% na lucratividade em relação à última edição do evento, em 2019.
A festa dos bois
O Festival Folclórico de Parintins tem seu ponto alto na disputa dos dois bumbás: Boi Garantido (de cor vermelha) e Boi Caprichoso (de cor azul). O cenário do festival é o Centro Cultural do Parintins, mais conhecido como Bumbódromo. Inaugurada em 1988, a arena com o inusitado formato de uma cabeça de boi tem capacidade para 35 mil espectadores e passou por recente revitalização, um investimento de R$ 5,7 milhões bancado pelo governo estadual.
Em um rápido passeio pela cidade, é possível notar a paixão da população pelos bois. Todos os cantos de Parintins, residências, telefones públicos e ruas ostentam o azul ou o vermelho. Durante a festa, os bois fazem as suas apresentações e, ao final, é escolhido como o vencedor daquele ano o que teve a melhor performance e o enredo mais bonito.
A parte azul de Parintins é representada pelo boi Caprichoso (Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso), fundado em 1913, pelas mãos de famílias nordestinas que fincaram raízes. Representante do bairro da Francesa, o Caprichoso defende as cores azul e branco, e seu símbolo é a estrela azul, a qual exibe em sua testa desde 1996. O nome, Caprichoso, teria um significado intrínseco a ele, isto é, pessoas cheias de capricho, trabalho e honestidade. O boi já venceu a disputa 23 vezes e nesta edição o Caprichoso vai levar para a arena o tema “Amazônia, nossa luta em poesia”.
Do lado vermelho e branco de Parintins, está o boi Garantido (Associação Folclórica Boi-Bumbá Garantido), da Baixa do São José. Maior campeão da festa, com 32 vitórias, é reconhecido pelo seu coração vermelho na testa. Criado pelo pescador Lindolfo Monteverde, ainda no início do século passado, o Boi Garantido era uma brincadeira de criança que evoluiu com o tempo, e é chamado pela torcida como “Boi do Povão” ou “Boi da Paixão”. O tema este ano do Garantido será “Amazônia do Povo Vermelho”.
A disputa dos “contrários”
A rivalidade dos bois é tamanha que, no momento que um deles entra na arena, a torcida adversária, ou “galera”, o ignora, mantendo-se em silêncio. Um torcedor jamais fala o nome do outro boi, e usa apenas a palavra “contrário” quando quer se referir ao opositor. Já quando o seu boi está se apresentando, a torcida é incentivada a bater palmas e cantar junto os enredos. Isso porque o entusiasmo do público também é avaliado pelos julgadores.
O ponto de partida dos desfiles é o Auto do Boi, que conta a saga de Pai Francisco, homem simples que mata um boi para presentear a língua do animal à sua amada, Mãe Catirina. Após algumas tentativas, o boi morto é ressuscitado com o poder dos indígenas, e assim é iniciado o espetáculo sob o céu amazônico.
Cada um dos desfiles dura, aproximadamente, duas horas e meia, e os bois levam para a pista cerca de 3,5 mil integrantes – ou “brincantes” – por noite, divididos em 30 tribos (uma espécie de ala de escola de samba). O enredo e as alegorias são narrados por um mestre de cerimônias. As coreografias dos bois são ensaiadas durante seis meses nos “currais”, espaços equivalentes às quadras de escolas de samba, locais também muito utilizados para festas fora da época dos desfiles.
A disputa é embalada pelas toadas, um tipo de música composta por melodias simples e de diversos tipos, indo de triste e chorosa a buliçosa, chegando a ter toques cômicos. Em geral, as toadas não são romanceadas, mas possuem estrofes e refrões. Os temas escolhidos, geralmente, são ligados às temáticas indígenas e à cultura cabocla e ribeirinha. Cada boi apresenta cerca de 20 toadas durante as apresentações, acompanhados por uma bateria composta por, aproximadamente, 500 músicos. As baterias dos bois também têm nomes próprios: a Marujada de Guerra (Caprichoso) e a Batucada (Garantido).
O desfile possui um total de 21 quesitos de avaliação, sendo que a maioria não possui ordem predeterminada de apresentação. Alguns dos itens são apresentador, levantador de toadas, ritual, porta-estandarte, amo do boi, sinhazinha da fazenda, figuras típicas regionais, alegorias, galera, coreografia e organização do conjunto folclórico.
O boi-bumbá é uma variação do bumba meu boi nordestino. A história dos bois de Parintins remete ao início do século XX. Nesta época, os grupos eram pequenos e com pouquíssima estrutura. O primeiro Festival Folclórico de Parintins aconteceu em 1965 e o objetivo era a arrecadação de fundos para a construção da Catedral de Nossa Senhora do Carmo, padroeira de Parintins. No primeiro ano, apresentaram-se 22 quadrilhas, ainda sem a presença dos bois Caprichoso e Garantido, que participaram no ano seguinte e, desde então, só tiveram sua rixa aquecida.
Com o tempo, o festival ganhou relevância nacional, passou a ter a atenção da mídia e transmissão televisiva para todo o país, alcançando até as escolas de samba de São Paulo e do Rio de Janeiro, que foram até Parintins contratar os artistas responsáveis pelos bois.
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