Das telonas às diversas telas em casa: as animações voltadas ao público adulto estão entre as principais escolhas de entretenimento dos brasileiros. Desde a chegada dos streamings, esse formato audiovisual ganhou um novo fôlego com um extenso catálogo de desenhos animados recebendo holofotes nacionalmente como “BoJack Horseman” (2014), “Big Mouth” (2017), entre outros, por suas temáticas divertidas e, ao mesmo tempo, mais complexas.
Uma pesquisa do BNDES mostrou que, mundialmente, o crescimento desses títulos é fruto de um aumento da demanda não apenas nos serviços de TV, como também na internet e nos streamings. Os principais mercados produtores e consumidores deste formato são os Estados Unidos, Canadá, Japão, China, França, Inglaterra, Coreia do Sul e Alemanha.
O mesmo relatório apresentou que, em 2016, o valor do mercado consumidor de animação no Brasil era estimado em quase R$ 4,9 bilhões, número este que seguiu crescendo significativamente nos últimos anos. Segundo a ANCINE, o país também aposta em produção. Em 2017, foram lançadas 213 obras de animação, sendo 115 curtas-metragens, 13 médias-metragens, sete longas-metragens e 78 obras seriadas, um aumento de 30% em relação ao ano anterior.
“A animação tem um enorme potencial em tocar o público e vejo isso por dois aspectos. Em primeiro lugar, por não estar presa à realidade, sendo possível retratar histórias de maneiras muito diferentes do live-action. [Ainda] É a mídia ideal para retratar o mundo interno do ser humano e externalizá-lo”, reflete Albert Mazuz, animador e artista 2D.
Não é uma história recente
As animações, especialmente àquelas voltadas ao público adulto, conquistam os espectadores desde seu surgimento, quando apareciam como uma espécie de prelúdio às sessões de cinema nas décadas de 1910 e 1920. Inicialmente, inclusive, essas películas audiovisuais não eram indicadas para crianças devido às temáticas carregadas de referências a sexo e drogas, apoiando-se em uma linguagem adulta — havia, até mesmo, uma falta de regulamentação em relação às falas dessas produções.
O cenário começou a ganhar uma nova forma com o início do chamado “Código Hays” nos Estados Unidos, o qual passou a proibir qualquer menção a drogas, sexo e palavrões; essa regra valia para todos os tipos de produções audiovisuais, independentemente se eram live-actions ou animações.
No mesmo período, as clássicas animações da Disney tais como “Fantasia” e personagens como o Mickey viveram seu momento de auge, conquistando um número expressivo de fãs e espectadores. Nessa época, as figuras animadas foram utilizadas como parte das propagandas antinazifascismo durante a Segunda Guerra Mundial, mostrando que, embora houvesse as restrições, o conteúdo mantinha uma linha narrativa que buscava dialogar com adultos. No início dos anos 1950, porém, o formato começou a ser pensado para o público infantil.
“A animação adulta deu uma volta nesse último século, ela surgiu focada no público adulto, tendo um papel importante na máquina de propaganda política estadunidense e soviética, e foi deixada de lado no circuito mainstream, que deu prioridade à animação infantil,” explica Mazuz.
A partir do novo foco do mainstream, potencializado pelo encarecimento do audiovisual por conta das leis antitruste (que se destinam a punir práticas anticompetitivas), as animações consolidaram uma tradicional cultura norte-americana: produções de baixo custo que passavam aos sábados de manhã para entreter crianças. Nesse período, séries como “Os Flintstones” ganharam o horário nobre e alta popularidade pelas temáticas que mantinham o entretenimento em família.
Ao longo de quase três décadas, portanto, seu foco era apresentar narrativas que atendiam às crianças. Em 1981, isso mudou completamente com a chegada da MTV, emissora direcionada ao público jovem e no início da vida adulta, que trazia uma grade de programação composta por especiais musicais e desenhos animados.
Foi nessa época que o formato ganhou uma força expressiva, visto que a Fox lançou “Os Simpsons”, atualmente em sua 33ª temporada, em horário nobre. Devido ao sucesso com o humor ácido e irônico da série, as animações dos anos 1990 seguiram o mesmo tom com grandes títulos como “Beavis e Butthead” e “South Park”.
Em 2001, as animações voltadas ao público adulto se consolidaram com o surgimento do canal Adult Swim, do Cartoon Network, o qual apresentou clássicas produções como “Archer” e “Rick and Morty”. Posteriormente, essa tendência de desenhos animados também chegou significativamente ao universo cinematográfico.
Mazuz pontua: “Nos últimos dez anos, vemos uma retomada de animação adultas que extrapolam as séries de comédia, que sempre tiveram produções focadas nesse público. Filmes como ‘Flee’ (que concorreu ao Oscar de Melhor Animação, Melhor Filme Internacional e Melhor Documentário De Longa-Metragem), ‘A Ganha-pão’ e ‘Perdi Meu Corpo’ mostram a versatilidade que essa mídia tem”.
A chegada do streaming
O streaming mudou o jogo: expandiu possibilidades, reimaginou formatos e apostou em temáticas mais complexas. Não à toa, “BoJack Horseman” e “Big Mouth”, ambas produções animadas da Netflix, caíram no gosto do público. Em simultâneo, as outras plataformas e emissoras de TV decidiram investir em “uma nova leva” de títulos de animação destinados ao público adulto.
“Com a ascensão dos streamings, os criadores de série receberam mais liberdade criativa e puderam inovar em questões narrativas. Vemos histórias com desenvolvimento de arcos de personagens e com temas bastante complexos, abordados de maneira sóbria,” explica Mazuz.
O animador e artista 2D analisa: “Na parte estética, ainda vejo um certo receio em criar algo muito fora da caixinha, especialmente na animação 2D. Já na animação 3D, temos direções de arte bastante interessantes, que fogem do visual ‘fofo’ da Pixar ou do hiper-realismo dos videogames”.